Stuart Hall, Marxismo Negro e Estudos Culturais

Por Fábio Nogueira*

Um dos destaques da obra Marxismo Negro, Pensamento descolonizador do Caribe Anglófono, de Daniel Montañez Pico, é o estudo das raízes marxistas do pensamento de Stuart Hall (1932-2014) e sua contribuição para os Estudos Culturais. Apesar de em Da Diáspora (2002), coletânea dos principais artigos de Hall, sob supervisão do mesmo, e publicado no Brasil, a sua relação com o marxismo está bem presente; o mesmo não acontece em relação com A identidade cultural da pós-modernidade (2014) o que indiretamente contribuiu para uma descontinuidade entre um Hall marxista e um segundo Hall, este pós-marxista e pós-moderno. Montañez Pico faz justiça ao marxismo de Hall não apenas ao situá-lo no contexto da New Left radicada em Londres mas em sua relação com o marxismo negro afro-caribenho. Afinal, assim como CRL James, Aimé Cesaire e outros intelectuais de seu tempo, a crítica ao marxismo hegemônico e ao stalinismo em Hall deu-se, num primeiro momento, a partir do próprio marxismo, tendo como principal referência Antônio Gramsci (1891-1937).

Hall é o elo entre o marxismo negro e estudos culturais, como muito bem salientado por Montañez Pico. Até porque Hall e o grupo que representa na Nova Esquerda londrina pensam o mundo não a partir do centro do império britânico decadente mas a partir de sua periferia caribenha. Hall o faz num momento em que a Inglaterra de Margaret Thatcher (1925-2013) inaugura um novo ciclo de modernização capitalista que hoje conhecemos como neoliberalismo. Por isso, pensar Hall a partir do seu diálogo como o marxismo retoma aspectos importantes de sua militância anti-neoliberal, pensando-o não a partir apenas da chave das identidades e dos contínuos hibridismos culturais (o que no contexto do pensamento social caribenho e sul-americano não chega a ser algo inédito). Não há nada na crítica de Hall ao marxismo hegemônico de seu tempo que o aproxime do pensamento e das ideias liberais. Pelo contrário, é a partir de um marxismo negro, caribenho e “calibanlizado”, conforme afirma Daniel Montañez Pico, que Hall contribuirá para a emergência dos Estados Culturais. É crucial lembrar que as obras e o pensamento de marxistas afro-caribenhos como C.L.R. James, Aimé Cesaire, Frantz Fanon, Cláudia Jones, entre outros, dedicaram-se a interpretar os fenômenos da vida cultural com a mesma centralidade dos processos materiais e econômicos, antecipando muito do que viria a compor o campo dos Estudos Culturais.

Esta leitura de Hall proposta por Montañez Pico a partir do marxismo negro coloca também a importância de na tradução das obras teóricas considerar-se os contextos histórico-político em que estas foram produzidas. As pressões do mercado editorial – e a forma concreta de circulação dos conteúdos ideológicos a partir das redes sociais – se ao mesmo tempo que apresenta o “negro” como commoditie – contribui a banalização de conceitos importantes, como o “racismo estrutural,” de Sílvio Almeida, e “necropolitica” de Mbembe. A leitura atenta dos textos de Hall nos permite reestabelecer os cenários intelectuais e políticos da produção do seu pensamento e encontrar diferentes respostas e apostas num cenário em que o neoliberalismo tornou-se uma ideologia triunfante da modernidade e do capitalismo. Já Mariátegui falava do caráter decadente da civilização burguesa, malgrado o palavrório autocomplacente desta, a partir de seus olhos ameríndios, ou seja, daqueles que estão na periferia do sistema. Os olhos de Hall são caribenhos, mais especificamente, jamaicanos – e é neste cenário que reinventa-se a partir do marxismo e contra as interpretações economicistas e dogmática deste. Não seria este propriamente o contexto intelectual de emergência do marxismo negro?

Por fim, é preciso reconhecer as raízes negras e caribenhas do marxismo de Hall, que se desenvolve em diálogo com contextos históricos e culturais específicos, incorporando reflexões de pensadores como Gramsci. Esta abordagem apresentada por Marxismo Negro, publicado pela Editora Dandara, contribuiu para uma visão mais ampla e que coloca mais camadas ao pensamento do autor.

*Fábio Nogueira, sociólogo, professor adjunto do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Coordenador da Rede Nacional do Marxismo Negro. É autor de “Clóvis Moura: trajetória intelectual, práxis e resistência negra” (Eduneb, 2015).

 

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