Por Professor Fábio Carneiro
“A democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e de segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça” (Florestan Fernandes).
Sempre que o campo de esquerda sofre derrotas eleitorais certa intelectualidade brasileira tem como esporte favorito encontrar culpados. No pleito municipal de 2024 não seria diferente, mas com um novo bode na sala, o “identitarismo”. Segundo tal concepção, identitarismo é o conjunto de pautas que estariam no bojo das classes sociais, mas no combate ao racismo, a LGBTfobia, ao machismo. Você vai ouvir dos críticos do identitarismo a seguinte premissa: tal militância divide trabalhadores, o povo brasileiro é conservador, é fundamental voltarmos ao debate de classe.
É ponto fulcral estabelecermos uma crítica contundente a movimentos indivíduos que tem como chave uma lógica individualista e liberal, que se propõe a ser elemento desmobilizador das lutas do povo negro brasileiro. Mas, a questão elementar é que não existe, portanto, qualquer milímetro de crítica a tendências liberais, na verdade, existe um esforço da branquitude em limitar todo e qualquer movimento que esteja no campo da luta contra as opressões, sejam liberais, sejam combativos, críticos ou adequados à ordem capitalista. A categoria “identitarismo” é utilizada como máxima, como uma visão que se torna, portanto, mera generalização, pondo todas as lutas, contra as opressões no bojo do chamado neoliberalismo progressista. Tal compreensão vai de Nildo Ouriques a Jessé de Souza, de Marilena Chauí a Luis Felipe Miguel, passando por escroques como Ciro Gomes e Aldo Rebelo.
Os críticos do malfadado “identitarismo”, esquecem que as sucessivas derrotas eleitorais das esquerdas se dão por limitar seu programa à ordem neoliberal ao vencer eleições. Podemos citar a “normalidade” que grande parte de nosso campo trata a austeridade em gastos públicos e o estabelecimento de uma lógica fiscalista, que resulta no congelamento de investimentos públicos. O que fazem setores populares se encantarem com figuras como Pablo Marçal, Bolsonaro e afins, não são as cotas em universidades públicas, mas nossa atuação recuada e despolitizante, sem qualquer intenção de melindrar os endinheirados de nosso país.
O Racismo é elemento central na formação social brasileira, passa pelos mais de 300 anos de escravidão, pela negação do direito à moradia a partir da concentração estabelecida pela Lei de Terras de 1850. A política de encarceramento, que joga 70% do povo negro nas masmorras do Brasil contemporâneo, ou mesmo o desemprego e subemprego que afetam diretamente nosso povo, ajudam a perpetuar o legado da escravidão no Brasil.
De tal modo, considero impensável pensarmos mudanças sociais efetivas em solo brasileiro, sem levar em consideração os quase 60% de negros e negras que formam tal país. Além disso, o povo negro é protagonista das grandes lutas populares brasileiras, seja a luta contra o fim da escravidão, a resistência produzida através dos quilombos, chegando na comunidade de Canudos. Contudo, uma intelectualidade desconexa da realidade social brasileira não observa a pulsão plebeia dessas lutas, pois está em busca de classe trabalhadora em abstrato, desconsiderando os aspectos de raça, classe e gênero. Uma intelectualidade que se coloca como uma “casta de iluminados”, que se institui como saber universal e detentora das verdades.
Acredito que devemos apostar na formação efetiva de quadros, intelectuais afeitos a discutir o Brasil a partir do que somos, de nossa real história e com uma capacidade qualificada de intervenção. Temos um desafio enorme, portanto, o primeiro é de estabelecer uma crítica a essa noção generalista de “identitarismo”, que não dá conta do que são os oprimidos em nosso tempo histórico. Também, sendo radical na crítica aos desvios individualistas e neoliberais que se põem no interior de nossos movimentos, a partir da retomada da obra de pensadores como Florestan Fernandes, Lélia Gonzalez e Clóvis Moura, por exemplo.
Professor Fábio Carneiro
Professor da rede estadual de ensino no Ceará. Graduado e mestre em Filosofia. Militante da Ação Negra e da Revolução Solidária/PSOL.